Conversamos com o paratleta sobre como o esporte ajudou a transformar sua vida, os planos para o futuro e a inspiração no padrinho da Corrida do Pantanal
Muitos o conhecem como Aldrey Gonzaga, mas, no esporte, o sobrenome é a marca registrada. Gonzaga é como o jovem campo-grandense, de 20 anos, se reconhece como paratleta em busca de um horizonte repleto de conquistas. Ele é um dos 20 mil inscritos na edição 2024 da Corrida do Pantanal, e prepara-se para disputar a prova de 15 km na categoria para pessoas com deficiência.
A Corrida do Pantanal representa um marco na vida de Gonzaga, pois além de ter sido o primeiro evento oficial de sua carreira, ainda em 2022, representa um incentivo especial para se manter focado em seus objetivos no atletismo. Conversamos com o paratleta sobre como o esporte ajudou a transformar sua vida, os planos para o futuro e a inspiração em Yeltsin Jacques, padrinho da Corrida do Pantanal e que irá representar o país nos Jogos Paralímpicos de Paris.
Como você se define? Quem é o Gonzaga?
Gonzaga é sonhador, um cara que teve muita limitação na vida. Através do esporte eu descobri capacidades que achava que não tinha. Descobri defeitos e qualidades. Mas, principalmente, descobri no poder de acreditar que todas as coisas são possíveis. Sou competitivo, penso grande e quero ganhar tudo, mas nem sempre é assim. Então tenho que aprender a lidar com as adversidades.
Em que momento o esporte começou a fazer parte da sua vida?
Desde criança sou fanático por esporte, mas achava que não era possível por causa da deficiência. Em 2022, um amigo me falou sobre o esporte paralímpico e das grandes oportunidades que poderiam surgir. Então conheci o professor Daniel Sena, e aí me encontrei completamente no esporte. Foi um divisor de águas na minha vida.
Fale um pouco sobre sua deficiência física e como você lida com isso.
Aos 4 anos de idade, recebi a vacina contra paralisia infantil, mas tive reações. A princípio, não quiseram diagnosticar que era por causa da vacina. Sempre falavam que era um problema físico, então deixei quieto. Cresci com isso. Mas depois que entrei no esporte, comecei a viajar e conhecer outras pessoas. Aí passaram a suspeitar que meu caso era de paralisia cerebral. Tenho todas as características de uma pessoa com paralisia cerebral. Então estou buscando fazer exames para diagnosticar se realmente é isso.
Voltando a 2022, como foi sua primeira experiência com o atletismo?
Vendo o trabalho do professor Daniel Sena com deficientes visuais e cadeirantes, pensei que poderia me encaixar em alguma coisa. Ele me apresentou a Petra, que parece uma bicicleta mas tem três rodas, e os atletas correm sentados. No começo eu curti, mas depois comecei a desejar uma cadeira de corrida. Só que ela foi apenas um sonho, então hoje sou oficialmente da Petra. Participo de competições com ela e estou em busca de marcas para o mundial da modalidade.
Aquele foi o ano da primeira edição da Corrida do Pantanal, evento que você disputou. Como foi a sua participação?
Foi dia 8 de outubro de 2022, nunca esqueço. Encarei a prova de 7 km da Corrida do Pantanal com a Petra e o treinador me acompanhando. Aquilo para mim foi o ápice. Cheguei desacreditado, nervoso, com medo do que poderia acontecer. Cheguei naquele ambiente e fui totalmente abraçado. A partir do momento que foi dada a largada, as pessoas passavam por mim e falavam palavras de incentivo. Então isso foi uma experiência incrível para mim. Foi como se eu tivesse vencido. Senti as barreiras sendo quebradas. A partir daquela Corrida do Pantanal, me senti pronto para os próximos desafios. E neste ano vou com a Petra para a prova de 15 km.
Atualmente você se desenvolveu no atletismo e compete em vários torneios de nível nacional. Como tem sido a temporada 2024 do atleta Gonzaga?
No começo do ano, o treinador me disse que eu tinha chance de buscar vaga no mundial. Tudo dependia de mim. Fui convidado para participar de competições em São Paulo, como o Open Internacional e o Desafio CBAt/CPB, e algumas etapas valiam índice para o mundial. Consegui fazer bons tempos, mas não foi o suficiente. Eu precisava de 17’04” para ficar com a vaga na prova dos 100 metros rasos, e cravei 17’24”. Faltou pouco.
Em agosto nasceu meu filho, então fui dispensado dos treinos. E agora em setembro fui convocado para uma semana de treinamento em São Paulo, de 8 a 14 de setembro. Então complicou o calendário de preparação para a Corrida do Pantanal. Mas estou animado para correr.
Em agosto começam os Jogos Paralímpicos de Paris, e teremos um sul-mato-grossense com chances de medalha no atletismo: Yeltsin Jacques, que também é padrinho da Corrida do Pantanal. Como você se sente em relação ao exemplo dele para o esporte?
Yeltsin é um espelho para mim. Ele é um grande campeão e ao mesmo tempo um cara simples, humilde, que dá atenção a todo mundo que chega para falar com ele, tirar fotos. Às vezes acompanho o treino dele no Parque Ayrton Senna, com o guia e a esposa. Agora ele está Paris, representando Campo Grande e o Brasil diante do mundo todo. É legal ver que estamos seguindo os passos que um dia ele percorreu. Estamos no caminho certo, e basta acreditar nos sonhos, pois tudo é possível.
Como você percebe a valorização do esporte paralímpico no país hoje em dia?
Acredito que a gente precisa de um olhar mais humano para esse esporte. Precisamos de visibilidade, de incentivadores, de patrocínio. Entre patrocinar um atleta olímpico e um paralímpico, a maioria vai optar por um atleta olímpico. Não preciso de dinheiro, só preciso que alguém que acredita que eu possa ir mais longe. Preciso do meu próprio material, porque nem sempre posso contar com o material do clube, que é de uso coletivo. Nesse sentido é que eu digo que o esporte paralímpico precisa de um olhar mais humano.