Outro dia nós fomos sonhos de alguns, desejos de outros e até, quem sabe, indesejáveis para uma ou outra história. Mas vencemos, viramos vidas! Vidas das vidas de alguns. Outro dia nós éramos crianças e eles eram maiores que nossa infância. Tinham a autoridade de nos governar enquanto gastávamos os dias sonhando com um futuro que chegou rápido demais. Ainda outro dia os nossos pés se arrastavam, lambendo o chão e deliciando-se a cada passo conquistado; era o início do nosso mundo.
Outro dia, de repente, nós começamos a ter autonomia; viramos os donos das nossas próprias necessidades e cada vez mais necessários para construirmos os dias que rapidamente se tornaram saudades. Outro dia nós trocávamos risadas, construíamos história, protagonizávamos inúmeras rusgas, que no passo seguinte, dia desses, dobraram nossa pele, viraram rugas e logo deixaram apenas rastros.
Outro dia dobramos o tempo embaixo do travesseiro e logo acordamos visitando bem pouco nossa cama. Os detalhes perderam nossa atenção e a tensão de apenas esbarrar com pedaços de nossas vidas em pequenos becos escolhidos pelo destino começou a doer. Outro dia começaram a virar silêncio, começaram a nos deixar. De repente o intervalo entre as rusgas e as rugas levantou voo.
Outro dia as vidas de muitas vidas viraram mortes. O aconchego ficou sem o abraço; o pulso já não mais pulsou, o coração já não bateu, as feições foram desfeitas, o sorriso virou moldura fria para um retrato do nunca mais; o som perdeu seu ritmo, o olhar já não mais olhou e os sentidos não sentiram mais nada. E em nós ficaram sentimentos tantos, tantos que só sabem doer. E assim será, até outro dia, quem sabe?!