Não gosto do nome, porque eles não produzem o lixo, apenas coletam. Mas, na minha infância, a gente chamava-os de lixeiros. E quando deixei Bela Vista e fui morar em São José do Rio Preto, lá nos anos 90, a diferença de um mesmo serviço em cidades tão diferentes gritava incredulidade aos meus olhos. Em terras paulistas eles não eram nossos amigos que passavam semanalmente coletando o que nossas vidas iam descartando. E não nos sorriam, nem fingiam proximidade.
Enquanto lá eles devoravam o tempo como último alimento da vida e corriam como se naqueles caminhões estivessem o remédio que evitaria o fim do mundo, aqui eles não tinham pressa e sempre amarravam o tempo em um galho de árvore em frente a minha casa; faziam uma roda de tereré, tijolos viravam banco e as prosas e gargalhadas iam ajudando a construir minha infância. E hoje eu senti saudade daquele guri atento que eu fui!
Era um tempo que tínhamos tempo para tudo e a vida e o caminhão andavam na mesma velocidade. Até o bom dia parecia ser mais comprido e cheirava verdadeiro. Para enfrentar o sol fronteiriço, nossos amigos ‘lixeiros’ usavam chapéu de palha, fazendo suas próprias sombras enquanto não sombreavam. O caminhão era comum, carroceria de madeira, impróprio para carregar lixos, mas tinha a propriedade de engatinhar e se fazer familiar a todos da rua.
Ainda não éramos da geração dos descartáveis e nossas bolsas, bacias, baldes, sacos, qualquer que fosse o recipiente que juntássemos lixos, eles nos devolviam na porta de casa. E assim, levaram tanta coisa de nossas vidas. Hoje, saudoso da vida passada, dei um jeito de me devolverem boas lembranças; com caneta em punho, rascunhei caminhos que fizeram eles amanheceram na porta da minha vida. Trouxeram-me tanta coisa boa! Reciclaram o meu tempo. Pena não ter podido abraçá-los!