(67) 99634-2150 |
Bela Vista-MS Quinta-Feira, 25 de Abril de 2024
Jornalista

Para ela, o preconceito deve ser combatido com políticas públicas mais severas e educação (Foto: Samira Ayub)

Ela chama atenção pelo sorriso constante no rosto e pela voz marcante. Radialista e apresentadora de TV, Marinalva Pereira, é jornalista, advogada e empresária. Nascida na cidade paulista de Presidente Prudente, ela veio para Mato Grosso do Sul e se apaixonou pelos encantos de Campo Grande. Mulher e negra, Marinalva driblou as chacotas, indiretas e até mesmo ofensas por causa da cor da sua pele, até 2010, quando não suportou o racismo e decidiu entrar na Justiça. Em junho deste ano, o TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) condenou o réu a um ano e oito meses de prestação de serviços e 10 salários mínimos para a jornalista.

A jornalista conta sua história sem rancor. Segundo ela, em 2010 foi convidada para trabalhar em uma empresa de comunicação como diretora comercial. “Em três meses a empresa contratou algumas pessoas, mas não tinha contrato, todo mundo sem documento e funcionários sem receber”, disse Marinalva. Ela decidiu conversar com Vanderlei Pires de Almeida, que se apresentava como um dos sócios da empresa. Almeida explicou para ela que a empresa era recente e que, por isso, ainda estava sem documentação.

A intuição de que havia algo de errado fez com que Marinalva procurasse o outro proprietário da empresa. “Consegui falar com ele e o dono explicou que o Vanderlei não tinha autorização para a contratação de funcionários, e que a ordem era para que se contratasse apenas um diretor comercial e mais duas pessoas para esperar a vinda dele para cá. O Vanderlei não era um dos donos, era como se fosse um zelador”, contou. Marinalva esclareceu os demais funcionários sobre a real situação da empresa.

“No dia seguinte, me ligaram para não ir à empresa, porque o Vanderlei estava me xingando, batendo na mesa, e falando que eu era preta safada, preta vabagunda e preta ladra”, disse a jornalista. Além das ofensas, a jornalista teria sido ameaçada por ele. “Ele disse que iria acabar com a minha vida e passou a ligar para meus clientes para me denegrir”, contou.

Marinalva procurou uma delegacia e decidiu buscar justiça. “Eu tenho 25 anos de profissão, ao longo da minha carreira, sempre sofri com o preconceito, mas desta vez eu não poderia me calar, porque ofendeu minha honra”, esclareceu.

A sentença foi promulgada no dia 19 de junho, depois de cinco anos do início do processo. Vanderlei foi condenado na 4ª Vara Civil do TJMS há um ano e prestação de serviços, além de dez salários mínimos corrigidos e custas processuais.

Preconceito
O sorriso aberto da jornalista desaparece quando ela comenta sobre o preconceito. “Desde criança a gente chama, o que hoje é chamado de bullying, mas nada mais é que discriminação e preconceito”, disse. “Somos separados, nas brincadeiras somos escolhidos pelos professores e não pelos coleguinhas, a gente fica sempre sobrando. Ao longo da minha profissão, eu percebia, mas nunca dei importância, mas neste caso, ofendeu minha dignidade, mexeu com a minha honra”, pontuou Marinalva.

“Todos nós temos livre arbítrio, Deus deu isso para gente, se eu não gosto de determinada pessoa, eu tenho que respeitar primeiro porque está na Constituição Federal, segundo porque está na Bíblia, para quem acredita nela, e porque temos esse livre arbítrio”, afirmou. “Tem gente que não gosta de índio, de branco, de gordo, de muçulmano, mas é só respeitar, cada qual no seu quadrado; mas a intolerância religiosa, sexual e racial é insustentável”, disse.

Para ela, ouvir a antiga expressão “serviço de preto” referindo-se a trabalho mal feito, é inaceitável. “Serviço de preto é bem feito, porque na senzala tinha que se fazer bem feito, porque quando não era bem feito, apanhava e morria. Não aceito, quando dizem que é serviço de preto quando é mal feito, porque nós apanhamos para aprender a fazer bem feito”, disparou. Marinalva defende que o negro deve ser o melhor no que sabe fazer, independente da profissão. “Se sabe cozinhar, que seja o melhor chef de cozinha, o melhor pedreiro, a melhor empregada doméstica, o melhor médico, o melhor médico, o melhor jornalista; não para sermos melhores que os outros, mas para sermos melhores no que fazemos”, observou.

#SomostodosMaju
O lamentável episódio de racismo contra a jornalista da Rede Globo, Maria Julia Coutinho, e que indignou celebridades e anônimos, demonstra que o preconceito está longe de acabar. “O brasileiro só entende uma lei quando dói no bolso, infelizmente aqui no Brasil, tudo funciona assim; o que poderia ser feito para melhorar isso seria criar políticas públicas de maior intensidade e ensinar nas escolas sobre igualdade racial”, observou.

“Nós construímos esse país debaixo das chicotadas, das chibatas. Tiraram filhos dos braços da mãe, tiraram tudo da gente: a dignidade e a honra, e hoje podemos ser doutores, podemos ser o melhor no que fazemos, mas ainda não escapamos das chibatas dos olhos e da língua”, disse. “Para acabar de vez precisamos da escola, educação e família, e isso não resolve, a justiça”, encerrou Marinalva, que não perde o otimismo e esperança de viver em um país livre de qualquer preconceito.